A imagem é indivisível e inapreensível e depende da nossa consciência e do mundo real que tenta corporificar. Se o mundo for impenetrável, a imagem também o será. [...] Enquanto observação precisa da vida, a imagem nos traz à mente a poesia japonesa. Nesta o que me fascina é a recusa em até mesmo sugerir a espécie de significado final da imagem, que pode ser gradualmente decifrado como uma charada. Os haicai cultivam suas imagens de tal forma que elas nada significam para além de si mesmas, ao mesmo tempo que, por expressarem tanto, torna-se impossível apreender o seu significado final. Quanto mais a imagem corresponde à sua função, mais impossível se torna restringi-la à nitidez de uma fórmula intelectual. O leitor dos haicai deve incorporar-se a ele como à natureza, deve mergulhar, perder-se em suas profundezas como no cosmos, onde não existem nem o fundo nem o alto.
(…)
A interação de conceitos jamais poderá
ser o objectivo fundamental da arte. A imagem está presa ao concreto e ao
material e, no entanto, ela se lança por misteriosos caminhos, rumo a regiões
para além do espírito - talvez Pushkin se referisse a isso quando disse que
«A poesia tem que ter um quê de estupidez». [...] Vejo então que a minha tarefa
profissional é criar o meu fluxo de tempo pessoal, e transmitir na tomada [no
take] a percepção que tenho do seu movimento - do movimento arrastado e
sonolento ao rápido e tempestuoso - que cada pessoa sentirá a seu modo. Juntar,
fazer a montagem é algo que perturba a passagem do tempo, interrompe-a, e,
simultaneamente, dá-lhe algo de novo. A distorção do tempo pode ser uma maneira
de dar expressão rítmica. Esculpir o tempo!
TARKOVSKI, A., Esculpir
o Tempo, 2ª ed., trad. de Jefferson Luiz Camargo, São Paulo, Martins
Fontes, 2002, pp. 123-124; e 144.
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