Cada vulto que surge tem de andar sozinho desde o princípio do mundo.
Júlio Pomar, Seara Nova, nº 1069, 24 de Janeiro de 1948
sábado, 30 de agosto de 2014
sábado, 9 de agosto de 2014
quarta-feira, 18 de junho de 2014
Momento I de Andrea Brandão para a Arte Capital
ANDREA BRANDÃOMOMENTO IESPAÇO ARTE TRANQUILIDADE Rua Rodrigues Sampaio, 95 Lisboa 15 MAI - 25 JUL 2014 “Provavelmente, tudo e todos – e nós mesmos – não somos senão sonhos imediatos da divina Matéria: Os produtos textuais da sua prodigiosa imaginação”. Francis Ponge, Nova Recolha, 1963. A primeira vez que experienciei o seu trabalho foi neste mesmo lugar. Andrea chegava antes das portas se abrirem ao público, de mochila às costas, trazia a matéria que dava corpo à sua peça, A Cidade de Tecla, que se erguia das ruinas em frente aos nossos olhos e por entre as suas mãos. Seis anos depois, volto a subir o mesmo degrau, coloco os pés sobre o tapete, piso o chão, mas já não existem as ruinas de uma cidade que nunca cessou de ser construída. Nesse mesmo chão está agora a Guarda que delimita o espaço, como se nos preparasse para algo que está prestes a acontecer ou a acontecer. Ali ao lado, na vitrine, espera-se por postais que Andrea há-de enviar de São Paulo, uma correspondência, o que gera um gesto tautológico, talvez um dos primeiros, ou últimos, neste espaço intersticial que é o Momento I. Vou até George Steiner quando diz que “A ‘resposta’ suscitada pelo questionar autêntico é uma correspondência”, volto e percorro a exposição, só percorrendo a exposição é que podemos perceber isto. Cada peça parece que nos devolve sempre uma pergunta, que nos questiona. Para começar o facto de claramente o observador ser implicado assim que pisa aquele tapete, depois a forma como a guarda nos questiona e se relaciona com o nosso corpo, a perceção e aproximação ao varão de madeira, a descoberta do Trompe L’oeil, num subtil desdobramento da própria marca do tempo no lugar, uma sobreposição de tempos, depois o corpo do observador que é tornado reflexo sobre a profunda imagem negra. Todo um percurso que se relaciona com o corpo e o espaço, afinal o nosso corpo é a medida de compreensão do espaço, e aqui o espaço não é condicionamento, nem tão pouco um mero receptáculo, mas parte integrante de um diálogo. Cada peça está intimamente relacionada com aquele lugar e com a experiência da artista, dentro e fora dele. O processo criativo é algo que suscita sempre interesse. O discurso desenhado revela-nos uma espontaneidade sincera e comovida, o resultado do tal questionar autêntico, do uso das suas experiências e de tudo o que habita em torno da artista como potência, uma situação, uma palavra, um filme, um livro, tantos são os elementos que podem polinizar uma obra de arte. A arte evolui com a vida, e a prática do ofício traz a consistência, fortalece o artista, e torna-o mais háptico. Assim se sente no discurso que tem vindo a desenhar. Um discurso que não se fixa numa disciplina concreta, mas que permite o claro voo para novas possibilidades, Gromaire diz que a beleza é a perfeita adaptação dos meios ao fim em busca. O Momento I é um espaço intersticial, contém em si a consciência do tempo, o inacabado, o gesto sobre o espaço, a fotografia, e claro a performatividade. :::: Cláudia Ramos Artista Plástica e Curadora Independente
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fonte
quinta-feira, 12 de junho de 2014
sábado, 7 de junho de 2014
o clássico insulto
"Eu não compreendo, portanto vocês são idiotas."
Roland Barthes, Mitologias, 1997
Roland Barthes, Mitologias, 1997
sexta-feira, 14 de março de 2014
«Autobiografia», de Thomas Bernhard
Na realidade Thomas Bernhard não batizou assim o conjunto dos cinco textos que se apresentam, A Causa, A Cave, A Respiração, O Frio, Uma Criança, são textos que descortinam a sua infância, juventude e os momentos decisivos da sua vida e obra, num entrelaçar nem sempre claro entre ficção e realidade.
"Ficção e biografia sempre andaram juntas nas narrativas de Thomas Bernhard, como se ambas participassem da grande encenação da sua escrita enquanto arte. Em Autobiografia, o austríaco usa o biográfico como material reinventado para compreender o mundo. Uma mistura explosiva de ressentimento e exclusão, de abandono e de privação, alimenta estas geniais narrativas das origens" mais aqui... A Verdade da Mentira.
terça-feira, 11 de março de 2014
sábado, 8 de março de 2014
segunda-feira, 3 de março de 2014
sábado, 1 de março de 2014
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
Moldar o Vazio
Este é um dos trabalhos de Yasuaki Onishi, o artista... não me seduz. Mas este trabalho do vazio que gera um cheio, da paisagem suspensa, do ponto a ponto que cria o organismo e que se revela no "campo etéreo", tudo isto interessa-me e muito, e quando percebo que o trabalho tem em si o conceito de paisagem epigenética sofrendo as suas apropriações de ser para ser, até chegar aqui, melhor... é o tempo.
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
Rui CHAFES, A Religião do Ferro, Expresso. Atual, 08. 02. 2014
O barulho da hora de almoço da cafetaria do Centro de Arte
Moderna da Fundação Gulbenkian não o desconcentra. Em cima da mesa vazia de
pratos, copos ou chávenas de café, há um porta-folhas aberto. Rui Chafes olha-o
atentamente. Lê e escreve ao mesmo tempo, esquecido de tudo o que o rodeia.
Pede mais cinco minutos para iniciar a entrevista e volta a recolher-se nos
seus apontamentos. Talvez escreva qualquer coisa como: “Tenho necessidade de um
outro tempo, de outra coisa mais lenta, mais próxima do silêncio, da sombra, da
beleza e da impossibilidade da beleza, da suspensão do tempo, da solidão, da
incomunicabilidade” (in “Involução”, 2008).
Se pudesse escolher, em que época e em que sítio gostaria de ter nascido?
Em 1266, na Francónia, na Baviera.
A pergunta pedia essa resposta, a que se lê na sua biografia
ficcionada. É então por isso que encontramos traços tão medievalistas na sua
obra e ao mesmo tempo uma disciplina marcadamente germânica? Concilia estes
dois aspectos?
Não são inconciliáveis. O primeiro ponto é o meu olhar para o trabalho como um ofício, e um ofício que tem de ter uma disciplina rigorosa. Acredito que o artista deve sempre encarar o seu trabalho como um ofício, com uma disciplina que tem de ter e de desenvolver para poder chegar a algum ponto. Sou absolutamente contra o diletantismo na arte. Acho que é um acumular de anedotas e de experiências que nunca passam da superfície. Eu gosto de ir ao fundo, ao osso, à origem do problema.
Não são inconciliáveis. O primeiro ponto é o meu olhar para o trabalho como um ofício, e um ofício que tem de ter uma disciplina rigorosa. Acredito que o artista deve sempre encarar o seu trabalho como um ofício, com uma disciplina que tem de ter e de desenvolver para poder chegar a algum ponto. Sou absolutamente contra o diletantismo na arte. Acho que é um acumular de anedotas e de experiências que nunca passam da superfície. Eu gosto de ir ao fundo, ao osso, à origem do problema.
É por isso que há formas que percorrem o seu trabalho desde
sempre, como a esfera ou o círculo? É uma procura da perfeição, a busca do
Santo Graal?
Não. A repetição da esfera não tem a ver com a busca da perfeição. A procura da perfeição passa pela consciência precisa e rigorosa do que se está a fazer. É isso que é extraordinário na escultura medieval e gótica, e que se perdeu, é precisamente a consciência de que nesses tempos, onde nasci, havia uma sabedoria. Uma sabedoria que tinha a ver com tempo e com densidade. A densificação da arte e do espirito. Aliás, em alemão, a palavra Dichtung quer dizer poesia, que é a mesma coisa que tornar denso. É curioso que o verbo fazer poesia coincida com densificar. Essa ideia de a poesia ser a densificação das palavras e do pensamento interessa-me muito, e isso só se consegue com uma oficina e com o espírito oficinal do desenvolvimento e não com o diletantismo. Os artistas que são ou querem ser diletantes são como borboletas e vão cheirando várias flores. É um caminho. Eu seria incapaz de fazer isso, porque ainda hoje acredito que tenho um futuro para aprender, tenho um caminho pela frente que não está de forma nenhuma dominado, é um caminho de aprendizagem, e enquanto assim for vou atravessar esse caminho.
Não. A repetição da esfera não tem a ver com a busca da perfeição. A procura da perfeição passa pela consciência precisa e rigorosa do que se está a fazer. É isso que é extraordinário na escultura medieval e gótica, e que se perdeu, é precisamente a consciência de que nesses tempos, onde nasci, havia uma sabedoria. Uma sabedoria que tinha a ver com tempo e com densidade. A densificação da arte e do espirito. Aliás, em alemão, a palavra Dichtung quer dizer poesia, que é a mesma coisa que tornar denso. É curioso que o verbo fazer poesia coincida com densificar. Essa ideia de a poesia ser a densificação das palavras e do pensamento interessa-me muito, e isso só se consegue com uma oficina e com o espírito oficinal do desenvolvimento e não com o diletantismo. Os artistas que são ou querem ser diletantes são como borboletas e vão cheirando várias flores. É um caminho. Eu seria incapaz de fazer isso, porque ainda hoje acredito que tenho um futuro para aprender, tenho um caminho pela frente que não está de forma nenhuma dominado, é um caminho de aprendizagem, e enquanto assim for vou atravessar esse caminho.
As suas obras também exigem esse caminho de aprendizagem ao
espectador?
O que é essencial para mim. As obras mais importantes são aquelas que oferecem resistência a mim próprio, não só ao público. São obras que passados anos continuo sem compreender. Essa resistência que uma obra oferece ao espectador faz parte da sua própria existência. Se uma obra é fácil e não é preciso lutar por ela, também tem uma vida muito curta. É a diferença entre arte fácil e banal e superficial e sensacionalista e arte difícil, chamemos-lhe assim. Acredito que uma obra de arte não é feita só para o artista, é feita sobretudo para o espectador. A minha escultura não é feita só por mim e pelas pessoas que trabalham para mim, é completada pelo olhar do espectador. Por isso é que acredito que uma obra de arte só existe quando é vista pelos outros. Uma obra de arte que não é vista, que está na gaveta, não existe. E digo, ao contrário de muitos artistas, que trabalho para os outros.
O que é essencial para mim. As obras mais importantes são aquelas que oferecem resistência a mim próprio, não só ao público. São obras que passados anos continuo sem compreender. Essa resistência que uma obra oferece ao espectador faz parte da sua própria existência. Se uma obra é fácil e não é preciso lutar por ela, também tem uma vida muito curta. É a diferença entre arte fácil e banal e superficial e sensacionalista e arte difícil, chamemos-lhe assim. Acredito que uma obra de arte não é feita só para o artista, é feita sobretudo para o espectador. A minha escultura não é feita só por mim e pelas pessoas que trabalham para mim, é completada pelo olhar do espectador. Por isso é que acredito que uma obra de arte só existe quando é vista pelos outros. Uma obra de arte que não é vista, que está na gaveta, não existe. E digo, ao contrário de muitos artistas, que trabalho para os outros.
Há uma necessidade de estabelecer uma relação com os outros
e com o mundo?
Nós vivemos porque os outros existem. Não conheço ninguém que viva sozinho. Morremos...morremos sozinhos. Morremos na mais completa solidão, mas a nossa razão de existir é o facto de os outros também existirem. E isso tem a ver com os outros enquanto pessoas, enquanto almas, mas também enquanto corpos, enquanto olhares, enquanto vozes. Nós existimos porque existem outras vozes, existem olhos que nos olham.
Nós vivemos porque os outros existem. Não conheço ninguém que viva sozinho. Morremos...morremos sozinhos. Morremos na mais completa solidão, mas a nossa razão de existir é o facto de os outros também existirem. E isso tem a ver com os outros enquanto pessoas, enquanto almas, mas também enquanto corpos, enquanto olhares, enquanto vozes. Nós existimos porque existem outras vozes, existem olhos que nos olham.
A morte é a continuação da vida, tal como a vida é a continuação da morte. Não é uma preocupação. Há coisas que condicionam a vida, como a incerteza do futuro, as condições materiais para a sobrevivência, o amanhã e, omnipresente, a morte. Aliás, Primo Levi tem um texto exatamente sobre essa omnipresença da morte, que no fundo é o que dá sentido à nossa vida. A morte é o que nos mantém despertos. Não é uma preocupação.
Mudou a minha vida toda. Não saberia dizer ou verbalizar
exatamente o quê. Mas de certeza que mudou a minha vida toda, porque quando uma
pessoa é levada à lâmina do abismo, entre o sim e o não, o estar ou não estar,
a consciência do que é importante e do que significa o sol nascer todos os dias
e a pessoa ter o privilégio de estar vivo — para mim é um privilégio estar vivo
— ganha um significado que sem dúvida está em cada fibra do meu ser.
Sou mais do que um homem crente, sou a própria crença. Acredito que a vida é um milagre, que é preciso defendê-la, que é preciso considerá-la um privilégio. Aliás, acho que toda a gente devia ler várias vezes o livro do Primo Levi [“Se Isto É Um Homem”], para relativizar o seu próprio sofrimento. As pessoas muitas vezes procuram motivos para serem infelizes e esquecem-se de que há infelicidades bem maiores. A vida é um privilégio que é preciso respeitar, amar, defender. A crença no milagre passa por aí. Acredito que nascer não é só nascer. Há algo maior no nascimento. Não é um acontecimento biológico, não é do mundo ou da energia, é do nível do milagre.
Do nível do sagrado?
Do nível do sagrado, sim. É como durante séculos as pessoas terem acreditado que os deuses estavam por todo o lado e que as plantas falavam e que por detrás de cada planta existia um deus. Mas todo esse mundo arcaico e do sagrado foi-se perdendo. Chegámos a um mundo materialista que passa pela banalização do pensamento científico como pela banalização da vida enquanto acontecimento não milagroso. É por isso que, por exemplo, muitos dos funerais hoje são feitos a olhar para o relógio. Já vi publicidade de agências funerárias que falavam exatamente disso: como sabemos que não tem tempo a perder, somos muito rápidos a tratar do assunto. Isso é a total dessacralização da vida e da morte. E eu, volto a repetir, sou crente no milagre da vida.
Do nível do sagrado, sim. É como durante séculos as pessoas terem acreditado que os deuses estavam por todo o lado e que as plantas falavam e que por detrás de cada planta existia um deus. Mas todo esse mundo arcaico e do sagrado foi-se perdendo. Chegámos a um mundo materialista que passa pela banalização do pensamento científico como pela banalização da vida enquanto acontecimento não milagroso. É por isso que, por exemplo, muitos dos funerais hoje são feitos a olhar para o relógio. Já vi publicidade de agências funerárias que falavam exatamente disso: como sabemos que não tem tempo a perder, somos muito rápidos a tratar do assunto. Isso é a total dessacralização da vida e da morte. E eu, volto a repetir, sou crente no milagre da vida.
Não crente numa doutrina?
Acho que a existência de Deus é um detalhe. Todas as doutrinas, e são muitas, que se dedicam ao pensamento mais sistemático e à teologia das diversas possibilidades são doutrinas de raiz filosófica mas que se relacionam com a existência de Deus, que para mim é um detalhe, não a questão. Muito antes da existência de Deus, é o milagre da nossa fragilidade que é mais importante. Em qualquer caso, não tenho dúvida nenhuma de que foram os deuses que criaram os homens, mas também foram os homens que criaram os deuses.
Acho que a existência de Deus é um detalhe. Todas as doutrinas, e são muitas, que se dedicam ao pensamento mais sistemático e à teologia das diversas possibilidades são doutrinas de raiz filosófica mas que se relacionam com a existência de Deus, que para mim é um detalhe, não a questão. Muito antes da existência de Deus, é o milagre da nossa fragilidade que é mais importante. Em qualquer caso, não tenho dúvida nenhuma de que foram os deuses que criaram os homens, mas também foram os homens que criaram os deuses.
Quando me falou nos tempos arcaicos em que por detrás de
cada planta existia um deus e me disse que é a própria crença, fez-me pensar
que também é um deus quando cria as suas esculturas e as coloca no meio da
natureza, como se, também elas, fossem orgânicas.
Costumo dizer que só faço as esculturas, o resto é obedecer, obedecer a vozes superiores que me dizem o que fazer. Sou um mero artesão dessas vozes superiores, que me dizem para fazer formas que não entendo. Mas, vendo esse lado telúrico da criação, devo dizer que isso é o que acontece com todos os artistas, a menos que se trate de artistas que acreditem na comunicação e no design, que não é o meu caso. Acho que a arte não é comunicação, é captar as forças, ser capaz de criar catalisadores de forças que andam no ar. Essas formas que crio, muitas vezes, ao integrarem-se na natureza, na verdade, parecem ser natureza, e são. São uma natureza paralela àquela que conhecemos.
Costumo dizer que só faço as esculturas, o resto é obedecer, obedecer a vozes superiores que me dizem o que fazer. Sou um mero artesão dessas vozes superiores, que me dizem para fazer formas que não entendo. Mas, vendo esse lado telúrico da criação, devo dizer que isso é o que acontece com todos os artistas, a menos que se trate de artistas que acreditem na comunicação e no design, que não é o meu caso. Acho que a arte não é comunicação, é captar as forças, ser capaz de criar catalisadores de forças que andam no ar. Essas formas que crio, muitas vezes, ao integrarem-se na natureza, na verdade, parecem ser natureza, e são. São uma natureza paralela àquela que conhecemos.
Mas acabam por ter vida?
Isso não sei, porque acho que a arte é uma coisa artificial. Não acredito em arte ecológica nem em arte do campo. A arte é uma existência artificial. Uma escultura minha integrada na natureza é uma intervenção absolutamente artificial, cuja existência na natureza ainda mais a reforça. Penso que as obras de arte e as esculturas devem existir no sítio onde fazem sentido. E esta exposição, que mostra 25 anos de trabalho e expõe esculturas no exterior e no interior, coloca bem essa questão. Ou seja, as minhas peças existem na natureza mas poderiam existir numa igreja, no espaço sagrado.
Esse é o seu lado romântico no verdadeiro sentido do
termo...Isso não sei, porque acho que a arte é uma coisa artificial. Não acredito em arte ecológica nem em arte do campo. A arte é uma existência artificial. Uma escultura minha integrada na natureza é uma intervenção absolutamente artificial, cuja existência na natureza ainda mais a reforça. Penso que as obras de arte e as esculturas devem existir no sítio onde fazem sentido. E esta exposição, que mostra 25 anos de trabalho e expõe esculturas no exterior e no interior, coloca bem essa questão. Ou seja, as minhas peças existem na natureza mas poderiam existir numa igreja, no espaço sagrado.
Eventualmente, sim. Uma escultura que existe numa igreja, que é um espaço de recolhimento, um espaço separado e ao mesmo tempo dentro do mundo, funciona como a voz, o vento, a energia com que as pessoas se vão encontrar quando lá entram.
E num museu?
Num museu ou num white cube, estão num hospital. Um hospital onde chegam as peças órfãs, que perderam o seu sítio e o seu território. Vejo as galerias, os museus e todos os espaços neutros como asilos onde chegam as peças muito doentes, que não têm onde cair e já perderam o seu terreno. Ao passo que, quando estão no exterior, na natureza, ou no sítio para onde foram criadas, têm vida própria.
Num museu ou num white cube, estão num hospital. Um hospital onde chegam as peças órfãs, que perderam o seu sítio e o seu território. Vejo as galerias, os museus e todos os espaços neutros como asilos onde chegam as peças muito doentes, que não têm onde cair e já perderam o seu terreno. Ao passo que, quando estão no exterior, na natureza, ou no sítio para onde foram criadas, têm vida própria.
É por isso que escolhe normalmente igrejas, palácios,
jardins, espaços pouco convencionais...para expor as suas esculturas?
Não são espaços convencionais para a arte moderna, eram espaços convencionais antes do modernismo, antes de Marcel Duchamp. A arte fazia parte da vivência e do culto dos seres humanos. É o advento do modernismo que cria o espaço neutro.
Não são espaços convencionais para a arte moderna, eram espaços convencionais antes do modernismo, antes de Marcel Duchamp. A arte fazia parte da vivência e do culto dos seres humanos. É o advento do modernismo que cria o espaço neutro.
E como olha para a sua antologia num espaço como o CAMJAP?
É muito estranho. Lá está, é um enorme hospital.
É um esforço acrescido para si montar uma exposição aqui?É muito estranho. Lá está, é um enorme hospital.
Não é um esforço, mas é um exercício de estranheza. Mas para o fazer fora daqui seriam precisas várias igrejas, várias arquiteturas não profanas. Por outro lado, é como digo, a arte moderna e a igreja cortaram relações.
Você não cortou relações com a igreja?
Não cortei relações com a igreja, mas também nunca fui à igreja. Ou seja, não sou um artista católico, nem protestante, nem budista. Sou um artista tecnicamente agnóstico. Não tenho nenhuma doutrina. Aliás, já fiz uma peça permanente para uma igreja católica na Áustria e outra para uma igreja protestante na Alemanha.
E de onde vem a espiritualidade que atravessa o seu
trabalho?Não cortei relações com a igreja, mas também nunca fui à igreja. Ou seja, não sou um artista católico, nem protestante, nem budista. Sou um artista tecnicamente agnóstico. Não tenho nenhuma doutrina. Aliás, já fiz uma peça permanente para uma igreja católica na Áustria e outra para uma igreja protestante na Alemanha.
É uma espiritualidade que acredita que se podem e devem abrir portas.
Em contraponto a essa espiritualidade existe uma grande austeridade nas suas esculturas.
Acho que não é em contraponto, porque o caminho da
transcendência passa exatamente pelo caminho da austeridade e pelo caminho do
ascetismo. Isso é visível nos filmes do Bresson. Ele é o exemplo de um artista
que acredita que o caminho da transcendência deve ser percorrido na maior
austeridade, no maior ascetismo. Eu também acredito.
São redomas?
Pois claro que são redomas.
E porquê? Por uma questão de defesa em relação ao mundo?Pois claro que são redomas.
Acho que é mesmo por incapacidade de aguentar ou de ver
tantas coisas. Não tenho anticorpos para ver certas coisas, para ouvir tantas
outras, para presenciar outras tantas.
Mas tem um dia a dia normal?Tenho, graças a Deus.
É um homem de valores, um homem de família, um pai...
Sempre fiz o maior esforço para separar as coisas. Arte é
arte, e tudo o resto é tudo o resto. Separo muito o artista do homem e da vida
pessoal. A minha vida pessoal é comum, tenho três filhos, uma mulher, pais,
irmãos, quer dizer, tenho uma família. Isso é uma pessoa. Outra pessoa é o
artista. Não há um único momento do meu trabalho que se relacione com qualquer
detalhe biográfico. Não acredito que a minha biografia nem a de nenhum artista
interesse a alguém a não ser a ele próprio. Agora, como é evidente, tenho de
fazer cada uma das coisas o melhor possível. Tenho de ser um pai de família tão
bom quanto consiga, o que não é fácil, e um artista tão bom quanto consiga, o
que também não é fácil.
A partir de 1988 comecei a trabalhar a pedra. Isto corresponde a um período em que estava nas Belas-Artes, era estudante, e como tal podia experimentar várias coisas até descobrir e encontrar o meu caminho. Comecei com os materiais, madeiras, plásticos, canas, e aterrei na pedra, no mármore e no calcário. Depois percebi que o ritmo era monumental, lento e que tinha a ver com a polis, e eu não queria ter a ver com a polis, queria ter a ver com o nomadismo. E o ferro é como uma faca que se leva no bolso. Além disso, descobri que a relação com o ferro e com o fogo estava dentro de mim e era o meu futuro, o meu destino.
Mas é um homem de poesia também.
De palavras, sim. Gosto mais de palavras do que de imagens.
Ao contrário do que se diz, acredito que uma palavra vale mais do que mil
imagens. Acredito mais no poder redentor e salvador de uma palavra do que de
uma imagem. Uma palavra pode matar, fazer viver ou curar.
Pensou em escrever?
É muito difícil.
E trabalhar o ferro não é?
Fui treinado para isso. Comecei nas Belas-Artes e a aprender com o apoio do António Trindade, que era um professor de metais extraordinário e que me ensinou tudo o que sabia. A partir daí continuei a trabalhar sozinho, mas ainda hoje aprendo todos os dias.
Aquela frase de Samuel Beckett — “Try again, fail, fail again, fail better" — diz-lhe alguma coisa?
Diz-me tudo. Isto parece quase uma coisa pedante, mas não é,
olho sempre para o meu trabalho como uma tentativa, uma tentativa quase sempre
falhada. Existem poucas peças, tirando o primeiro entusiasmo — digo sempre que
é a melhor peça que já fiz —, que não considere um fracasso. Tenho sempre a
ideia de que tudo o que faço são apenas tentativas, são apenas possibilidades,
não houve até agora objetos definitivos, não há ainda resultados.
Isso tem alguma coisa a ver com a persistência e a enorme
produtividade que tem?Eu não tenho muito a ideia de que tenho assim tanta produtividade, mas, no entanto, tenho. Não tenho a consciência de trabalhar muito, mas quando reúno o meu trabalho, vá lá, de cinco em cinco anos, eu próprio fico surpreendido com a quantidade de esculturas que já fiz. Na verdade, foram muitas, e essas muitas esculturas são produto de uma disciplina e de uma ética de trabalho que por sinal é gigantesca. Acho que essa ética de trabalho não se pode perder. E tenho sempre o receio de que haja uma nova geração de artistas que não tenha essa ética de trabalho. Só acredito no trabalho que tenha uma persistência e uma ética na sua própria natureza. Portanto, todas essas esculturas que tenho feito existem porque há uma oficina. Eu visto o fato de macaco para trabalhar.
Isso significa uma entrega?
Exato. Tem de haver essa entrega, tem de haver esse momento de dádiva, quer para a escultura em ferro quer para a escrita de palavras.
Essa também é a sua verdade?Exato. Tem de haver essa entrega, tem de haver esse momento de dádiva, quer para a escultura em ferro quer para a escrita de palavras.
Claro. Neste tipo de trabalho não é uma bandeira em si, mas
é a única verdade que me é possível ter.
Gostava que as suas obras pudessem falar?
Mas elas falam. Dizem segredos a algumas pessoas, não a
todas. Acho que a arte não é para todos, não é para as massas, nem é para a
multidão. A arte é um segredo para algumas pessoas.
Taxativamente?
Sim. A arte é para minorias, para aquelas pessoas que têm
ouvidos e olhos e que conseguem ouvir esse sussurro. As outras podem passar ao
lado e nem que a obra de arte seja gigantesca a veem. Nunca a verão.
Posso depreender daí que o que é para as massas já não é
arte?
Um artista popular, no sentido de popularidade, é um
mal-entendido. Não é um artista. Um artista popular é o que cumpre o seu papel
na máquina, e, no caso concreto desta sociedade de massificação e de
sensacionalismo, um papel perverso, que é fazer crer às massas que finalmente
têm acesso àquilo que lhes parecia estar negado e que era uma coisa muito
estranha chamada arte moderna, só para pessoas elitistas e complicadas. E essa
oferta cínica de uma coisa que parece arte não passa disso mesmo, de um ato de
cinismo e de um grande mal entendido. É mais ignorância da mesma ignorância.
Não é arte, é outra coisa qualquer. É um parente do futebol.
“O Peso do Paraíso”, o título desta exposição, é uma alusão
à leveza das suas peças apesar do peso real que têm?Sim, o título tem muito a ver com a leveza, a gravidade e o peso do material. A minha ideia é fazer ferro fátuo. É como fazer uma coluna de fumo em ferro. Não acredito em objetos. Acho que as minhas esculturas são acontecimentos no espaço, são sombras. Portanto, trabalho com sombras, com fogo, com palavras, com ferro, mas produzo acontecimentos no espaço. São acontecimentos feitos com ferro, é a única coisa que sei fazer, mas tendem a flutuar. Aliás, há muitas peças que estão suspensas.
O que acontece desde sempre no seu trabalho.
Sim. Tenho muitas dificuldades com o chão. Aquela peça que é
uma esfera e tem umas cordas penduradas [“Durante o Sono”] é uma fábula, está
apoiada e toca no chão mas visualmente é um balão que se sopra e vai ali no ar.
Não sou um escultor do peso, sou um escultor da leveza. Ao contrário do Richard
Serra, por exemplo, cuja obra tem a ver com o peso, com a massa, com o local e
com a ocupação do território terreno, eu tento que as peças, mesmo que tenham
três toneladas, voem. Interessa-me a leveza.
Isso tem a ver com o bem-estar?
Não, tem a ver com uma dificuldade em pisar o chão e arranjar um território.
O que significa esta exposição antológica para si?Não, tem a ver com uma dificuldade em pisar o chão e arranjar um território.
É uma responsabilidade, porque estou a olhar para coisas que foram o caminho que me trouxe até aqui. O caminho foi este, não foi outro. E é um misto de felicidade, mas também de espanto.
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
Zaha Hadid
Já se passaram alguns bons anos desde que deixei o curso de arquitetura, pouco antes de concluir a licenciatura, apaixonei-me pelo espaço mas queria trabalhar sobre ele de outra forma e aí surge todo o universo das artes. No entanto, nunca deixo de ler e ver alguns bons projetos, e este é um bom exemplo.
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014
O Peso do Paraíso e Narrativa Interior
Neste final de dia chuvoso, brilha a inauguração de duas exposições a não perder no CAM, O Peso do Paraíso de Rui Chafes com curadoria de Isabel Carlos e Narrativa Interior com curadoria de Sara Antónia Matos.
Até já...
"O Peso do Paraíso é o título da primeira exposição antológica da obra de Rui Chafes (Lisboa, 1966) que abrange vinte e cinco anos de produção.
A pesquisa da escultura em ferro empreendida por Chafes aborda questões como “o sonho”, “a morte”, “a dor”, criando um universo físico poderoso que exige um contacto direto com o visitante. Um dos mais importantes artistas da sua geração, Chafes é uma notável figura do movimento de retorno à escultura que se verificou em finais do século XX. (...)"
vídeo - O Peso de Paraíso, montagem
"A exposição Narrativa Interior de João Tabarra (Lisboa, 1966) abrange trabalhos realizados ao longo dos últimos vinte anos, nos quais o artista desenvolve uma investigação sobre o uso, o poder e as possibilidades históricas da imagem.
Com recurso a uma linguagem poética e uma disposição cinematográfica, a exposição é também o lugar para uma reflexão crítica sobre o papel social do indivíduo, convidando-o a tornar pública a sua própria narrativa interior. (...)"
vídeo - Narrativa Interior, montagem
Até já...
"O Peso do Paraíso é o título da primeira exposição antológica da obra de Rui Chafes (Lisboa, 1966) que abrange vinte e cinco anos de produção.
A pesquisa da escultura em ferro empreendida por Chafes aborda questões como “o sonho”, “a morte”, “a dor”, criando um universo físico poderoso que exige um contacto direto com o visitante. Um dos mais importantes artistas da sua geração, Chafes é uma notável figura do movimento de retorno à escultura que se verificou em finais do século XX. (...)"
vídeo - O Peso de Paraíso, montagem
"A exposição Narrativa Interior de João Tabarra (Lisboa, 1966) abrange trabalhos realizados ao longo dos últimos vinte anos, nos quais o artista desenvolve uma investigação sobre o uso, o poder e as possibilidades históricas da imagem.
Com recurso a uma linguagem poética e uma disposição cinematográfica, a exposição é também o lugar para uma reflexão crítica sobre o papel social do indivíduo, convidando-o a tornar pública a sua própria narrativa interior. (...)"
vídeo - Narrativa Interior, montagem
domingo, 26 de janeiro de 2014
O Movimento das Coisas de Manuela Serra
Sinopse
Histórias de quotidiano e de silêncio. Em caminhos desertos de vento inquietante numa aldeia do
Norte. Há um dia de trabalho atravessado por três famílias: quatro velhas, o campo, o pão, as
galinhas, e, a lembrar-nos, clareiras de histórias velhíssimas de gestos saboreados em
mineralógicas palavras. Uma família de dez filhos numa quinta mergulham na largueza do tempo,
no gesto todo do trabalho, o pai corta uma árvore. Mais longe, a água do rio habitado por gente,
numa barca, o sol, e o largo da aldeia, a ponte em construção, a varanda, a refeição, a densidade
e o misticismo ao domingo, a missa e a feira: ritualizada ao sábado. Nestes fragmentos de
cenário, move-se Isabel, também, com os olhos postos no futuro, para lá dos outros em que o
sentido da vida é apenas viver. O tempo atravessa o nascer e o pôr-do-sol.
É um respirar a vida, usando o campo como meio numa aldeia do Norte, de gestos antiquíssimos
e pousados.
16mm, 85´, 1985
Realização, Produção e Argumento Manuela SerraImagem Gérard Collet
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