terça-feira, 13 de dezembro de 2011

domingo, 11 de dezembro de 2011

Pedra-pão

Pedra-Pão, teve lugar ontem na sala de ensaio do CCB e foi absolutamente fascinante.

Partindo das questões da sobrevivência e da precariedade, três actores deram corpo e vida a três personagens: Arminda, Cassandra e Jean, que se reinventavam numa luta pela "sanidade" mas roçando a loucura, revelando o absurdo, divagando entre memórias, reconstruindo fragmentos de um universo dito normal.

A cenografia contou com três móveis com rodas e portas que continham dentro deles um quotidiano extraordinário aprisionado que se ia revelando num espaço de cena em constante metamorfose, ora um cemitério, ora um quarto, ora um café por entre a poesia, o teatro e a dança.

Parabéns ao Circolando por mais este magnifico trabalho! Eu, o Rui, o Filipe e a Alexandra agradecemos.

12 a 14 de Dez. 11h na Sala de Ensaio do CCB

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Scenario, Francisco Tropa

PERSPECTIVA ACTUAL

Francisco Tropa
Pavilhão de Portugal
54.ª Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia
4 de Junho a 27 de Novembro de 2011


A um mês do encerramento da 54.ª Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia, o Pavilhão de Portugal deste ano está representado pelo artista
Francisco Tropa (n. 1968), que já tinha participado na Bienal de Veneza de 2003, quando foi convidado pelo curador da Bienal, Francesco Bonami, para integrar a exposição “Dreams and Conflicts”. Este ano a sua participação, naturalmente, já com um conhecimento a priori das especificidades da cidade italiana e das próprias características da Bienal, oferece, na sua obra intitulada Scenario, uma importante relação com ambas.
Os pavilhões dos países espalhados pela cidade – este ano com um record de 89 pavilhões nacionais – surgem como evento paralelo da Bienal e do tema Illuminations (Iluminações) – definido pela comissária-geral da Bienal, a suíça Bice Curiger.
Cada país selecciona o seu comissário que por sua vez escolhe o artista que o vai representar; a DGArtes nomeou o curador Sérgio Mah (n. 1970), comissário-geral da Bienal Lisboa Photo em 2003 e 2005, e director artístico da PhotoEspaña entre 2008 e 2010, actualmente lecciona na FBA, na FCSH e no Ar.Co, em Lisboa.
Chegados à belíssima cidade de Canaletto, encontramos facilmente o pavilhão português (que já nas três últimas edições da Bienal apresentou obras de Helena Almeida [2005], Ângela Ferreira [2007] e da dupla João Maria Gusmão e Pedro Paiva [2009]). Situado na margem do Grande Canal, o Fondaco Marcello, espaço histórico, antigo armazém e depósito de gôndolas, construído no final do século XVI, acolhe uma instalação concebida por Francisco Tropa especificamente para este local, em que a imagem em movimento, a imagem estática e a escultura convivem extraordinariamente num mesmo espaço.
Quando entramos em Scenario, são vários os temas suscitados, e são diversas as perspectivas propostas pelas imagens projectadas: desde a relação entre a figuração e a abstracção, a imagem fixa ou em movimento, ou a relação entre a cópia e o original. Mas também como refere Sérgio Mah, no catálogo da exposição, «Scenario distingue-se pela profusão de materiais, processos, técnicas e referências históricas e culturais (do artesanal e popular ao erudito e científico)».
O espaço cénico montado por Francisco Tropa, numa cidade em que o teatro e a ópera têm particular destaque, sobretudo se pensarmos no histórico e tão especial Teatro La Fenice, permite ao público sentir-se como parte integrante da obra. Isto porque, em Scenario não há uma narrativa; e isso só acontece quando o espectador entra no espaço, porque foi claramente para ele que Francisco Tropa concebeu este trabalho. O “observador-experimentador” acentua a performatividade da obra, está “em palco” o tempo todo que permanece no espaço expositivo.
Neste sentido, o título da obra foi criteriosamente pensado. A etimologia da palavra “scenario” remonta ao termo grego skené o qual significava «a parte do palco onde representavam os actores», por oposição a thymele, onde actuava o coro. É do termo grego que deriva a palavra latina scena, mantendo o mesmo significado, e é a partir desta que deriva, por sua vez, scenarius. Na Commedia dell’Arte italiana, o scenario surgiu como uma espécie de ensaio de entrada e saída dos actores, que garantia a liberdade criativa e de improviso dos intérpretes.
Na ópera ou no ballet, o scenario serve para indicar como devem ser adaptados os aspectos das personagens, do enredo ou do palco, para depois ser desenvolvida num libretto ou argumento.
Scenario é constituído por sete dispositivos de projecção que seguem o princípio de funcionamento das lanternas mágicas. O dispositivo é igual em todas as projecções e composto por um pedestal onde está a máquina, uma lente circular e uma caixa de latão, e cada dispositivo é acompanhado por um objecto que cria uma imagem projectada. As imagens são projectadas em ecrãs de estuque sobre painéis de madeira.
Há imagens projectadas que contêm movimento: a imagem da ampulheta, da folha seca, ou as gotas de água que caem de uma taça de vidro, de uma garrafa e de um fio de seda. A lâmpada incandescente e a mosca morta projectam imagens paradas e figurativas. Em frente aos ecrãs-cenários que projectam estas imagens estáticas encontramos troncos de árvores, tábuas de madeira, cavaletes, encostados no ecrã. É a própria sombra dos vários objectos espalhados pelo espaço que constroem a imagem do tempo, um tempo marcado pela sombra. Os troncos, as tábuas e os cavaletes são sombras no ecrã, tal como o nosso corpo, ou seja, a nossa sombra também é projectada nos ecrãs.

Possivelmente, a grande relação de Scenario com o tema Illuminations surja deste conflito entre luz e sombra, pensado desde sempre pelos artistas. Esta obra é resultado desse conflito, e uma das qualidades estéticas mais importantes da imagem em movimento e da imagem estática é o contraste entre o claro e o escuro. A intensidade da luz demonstrada no ambiente, a iluminação do objecto, ou a distinção do fundo são alguns dos exemplos da construção deste contraste.

Portanto, o dispositivo de projecção está fixo. O movimento só acontece quando os objectos se movem. Mas algumas imagens estão estáticas, num tempo aparentemente inalterável, num tempo que, afinal, acaba por ser um espaço pictórico. Esta questão relembra os primórdios do cinema: a câmara estava fixa, revelando uma imobilidade que correspondia ao ponto de vista do espectador. Ou seja, a câmara estava fixa diante do objecto do filme. Era, portanto, designada a época do “palco-tela” de Georges Méliès. Esta denominação está obviamente relacionada com a influência do teatro. Os actores representavam para uma câmara fixa, como se estivessem numa peça teatral. Só mais tarde foi dada importância à filmagem em perspectiva e os primeiros filmes procuravam mostrar os movimentos dos objectos no ecrã, tal e qual como ocorriam na vida real.

Francisco Tropa não pretende regular o tempo, como o cinema passou a fazer: através da câmara, o tempo pode ser acelerado, invertido, prolongado. Em Scenario, o artista estilhaça o tempo, porque nele percepcionamos a criação, experimentamo-la, num tempo que filtrou todo o processo de criação da obra e de experiência num só momento.
A origem da obra está à nossa frente: quando vemos o próprio referente da imagem projectado, ou seja, deparamo-nos com o objecto e a projecção frente a frente, sem esconder a origem da imagem projectada no ecrã.

Para além da construção de um espaço imaginário e enigmático, onde a própria criação nos é revelada, onde o processo de construção de uma imagem nos é demonstrado, desde a sua origem ao resultado final, Scenario é novamente o estilhaçar do tempo: a ampulheta e as gotas de água (clepsidras) que caem medem o tempo; uma folha seca representa o tempo que passa; já uma mosca morta comprova o tempo da morte; mas o filamento incandescente de uma lâmpada destaca o tempo de vida.
Em suma, Scenario, acima de tudo, abarca os dois grandes temas da arte do século XX e XXI: o espaço e o tempo.

Com efeito, não é somente o tema da Luz, longe disso, que a Bienal de Veneza de 2011 nos apresenta. Relembrando o vencedor do Leão de Ouro para melhor artista da Bienal, o californiano Christian Marclay com o fabuloso The Clock (2010), exibe uma obra sobre o tempo, a duração e o cinema, constituída por centenas de fragmentos de filmes, criando 24 horas de filme, sincronizando o local e as horas do sítio onde se está, com o próprio filme.
Contradizendo-se a si mesma, com o enorme número de obras e de artistas que apresenta, a memória da 54.ª Bienal de Veneza, ficará fortemente marcada por obras que procuram reflectir sobre o tempo que não se tem e sobre o tempo que é necessário para Ver.
A oportunidade, a não perder, de ver Scenario em Lisboa vai acontecer de 15 de Fevereiro a 15 de Abril de 2012, no Museu Berardo.

Patrícia Rosas


Videos:




quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Os Lugares de Maria


Escolhi "Os lugares de Maria" de Margarida Botelho como ponto de partida para a exploração de vários universos. Desta estória nascerão enumeras formas de desconstruí-la e transformá-la em gestos que por si só poderiam ser uma nova estória.

(Expressão Plástica para miúdos)

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

arte.educação


 

ATELIER PARA ADULTOS
Atelier de escultura I,

Das Coisas Nascem As Coisas
Sábados, 19 e 26 de Novembro
das 14h00 às 17h00
2 Sessões 




ATELIERS PARA CRIANÇAS E JOVENS
17 a 22 de Dezembro das 10h00 às 13h00, dos 6 aos 10

Sábado 17 - Atelier da Ginga
Segunda-feira 19 - A Mão Inteligente
Terça-feira 20 - Atelier das Sombras
Quarta-feira 21 - Atelier de Desenho Expressivo

Quinta-feira 22 - Histórias com Escultura, dos 10 aos 16


sábado, 15 de outubro de 2011

As raparigas lá de casa, Emanuel Félix

Como eu amei as raparigas lá de casa
discretas fabricantes da penumbra
guardavam o meu sono como se guardassem
o meu sonho
repetiam comigo as primeiras palavras
como se repetissem os meus versos
povoavam o silêncio da casa
anulando o chão os pés as portas por onde
saíam
deixando sempre um rastro de hortelã
traziam a manhã
cada manhã
o cheiro do pão fresco da umidade da terra
do leite acabado de ordenhar
(se voltassem a passar todas juntas agora
veríeis como ficava no ar o odor doce e materno
das manadas quando passam)
aproximavam-se as raparigas lá de casa
e eu escutava a inquieta maresia
dos seus corpos
umas vezes duros e frios como seixos
outras vezes tépidos como o interior dos frutos
no outono
penteavam-me
e as suas mãos eram leves e frescas como as folhas
na primavera

não me lembro da cor dos olhos quando olhava
os olhos das raparigas lá de casa
mas sei que era neles que se acendia
o sol
ou se agitava a superfície dos lagos
do jardim com lagos a que me levavam de mãos dadas
as raparigas lá de casa
que tinham namorados e com eles
traíam
a nossa indefinível cumplicidade

eu perdoava sempre e ainda agora perdoo
às raparigas lá de casa
porque sabia e sei que apenas o faziam
por ser esse o lado mau de sua inexplicável bondade
o vício da virtude da sua imensa ternura
da ternura inefável do meu primeiro amor
do meu amor pelas raparigas lá de casa

(Habitação das Chuvas)

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Manifesto Antropófago



Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Económicamente. Filosóficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

Tupi, or not tupi that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.

O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.

Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.

Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.

Queremos a Revolução Caraiba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem n6s a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.

A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.

Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre. Montaig-ne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos..

Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.

Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.

Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.

O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.

Só podemos atender ao mundo orecular.

Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.

Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.

Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.

O instinto Caraíba.

Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.

Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.

Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.

Catiti Catiti

Imara Notiá

Notiá Imara

Ipeju*

A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.

Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comia.

Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?

Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.

A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.

Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.

Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.

Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.

Se Deus é a consciênda do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais.

Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.

As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.

De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.

O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas+ fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.

É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.

O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso?

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.

Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.

A alegria é a prova dos nove.

No matriarcado de Pindorama.

Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.

Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimarnos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.

Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.

A alegria é a prova dos nove.

A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.

Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.

A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.


OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha." (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)

* "Lua Nova, ó Lua Nova, assopra em Fulano lembranças de mim", in O Selvagem, de Couto Magalhães

Oswald de Andrade alude ironicamente a um episódio da história do Brasil: o naufrágio do navio em que viajava um bispo português, seguido da morte do mesmo bispo, devorado por índios antropófagos.


sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Espelho, Andrei Tarkovsky



12 Nov 2011 - 21:00,  CCB
M/12 ANOS


PEQUENO AUDITÓRIO - SALA EDUARDO PRADO COELHO


PREÇOS 3€




O que começou, para Tarkovsky, por um plano para uma série de entrevistas, transformou-se numa autobiografia abstrata, onde as memórias do realizador se entrelaçam com as da sua mãe, desenrolando-se no período que antecede a Segunda Guerra Mundial, e onde uma Rússia sumptuosa é evocada pela voz do seu pai, recitando a sua própria poesia elegíaca.

REALIZADOR Andrei Tarkovsky

8, 9 e 12 de Novembro Ciclo Tarkovsky no CENTRO CULTURAL DE BELÉM 


quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Andrea Brandão

Sem título (A4), 2008, papel, dimensões variáveis

A cidade de Tecla, 2007, instalação, areia, água, dimensões variáveis

Auto-retrato com família, 2007, papel, 5 lápis de gráfite e caderno, técnica mista


A primeira vez que vi de perto o seu trabalho foi quando exposemos juntas no espaço Tranquilidade, e confesso que "A Cidade de Tecla" impressionou-me. A ideia do tempo, da ruína, da memória, do vestígio. Andrea chegava de mochila às costas antes da galeria abrir e começava a moldar a areia com água dando corpo efemero a Tecla.

Resolvi escolher três imagens que foram publicadas na revista L'arte junto com traços que nos ajudam a delinear um universo mais próximo ao de Andrea Brandão e da dimensão do desenho dentro da sua obra, "encontrei uma orientação e um espaço de experimentação no desenho, não só no desenho tradicional - do risco sobre o papel - mas no desenho como explosão de sentidos, testando os seus limites." e onde encontramos citadas referências como Fernanda Gomes, Gordon Matta Clark, Maria Gabriela Lansol e Italo Calvino, entre outras. 

Sobre A cidade de Tecla Andrea diz-nos: "Tecla quer ser mas nunca será. É uma cidade que nunca estará acabada. Prevenindo a sua ruína está sempre em construção (...). Testemunhamos o processo de trabalho (a construçao, desconstrução, reconstrução) como uma superfície de tempo." 

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

a arte do meu jardim em mim / a arte de mim no meu jardim












Fonte: L+Arte, nº 81, pág. 81-87, Projecto: A ARTE DO MEU JARDIM EM MIM / A ARTE DE MIM NO MEU JARDIM (1937- Coronado) de Alberto Carneiro.

Mãos dadas

Julgamos que nos libertamos dos lugares que deixamos para trás de nós. Mas o tempo não é o espaço e é o passado que está diante de nós. Deixá-lo não nos distancia. Todos os dias vamos ao encontro daquilo de que fugimos.

Carlos Drummond de Andrade, “Mãos dadas”, Antologia Poética, Lisboa, Dom Quixote, 2002, p.149

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A rapariga de Amesterdão


Por estes dias retomei o Diário da Etty, uma judia que aos 27 anos começa a escrever em pequenos cadernos quadriculados. Conta-nos da sua paixão pelos livros, pela literatura russa e a língua eslava, o medo de não fazer obra, e o amor por dois homens. Escrevia durante a 2ªGuerra Mundial e durante 2 anos partilha o seu despertar espiritual, as suas dúvidas, a sua intimidade, os medos e o retrato que os seus sentidos fazem do que assiste. Pelo meio são chás partilhados, as lutas com Spier e o seu intenso mergulho sobre si mesma. Etty leva consigo para o campo de concentração três livros, a Bíblia; o livro das Horas e Cartas a um jovem poeta, ambos de Rilke.


"Foi novamente como se a Vida, com todos os seus segredos, estivesse próxima de mim, como se eu a pudesse tocar... E ali sentia-me imensamente segura e protegida. E pensei: «Como isto é estranho. É guerra. Há campos de concentração. Pequenas crueldades amontoam-se por cima de pequenas crueldades. Quando caminho pelas ruas, sei que, em muitas das casas por onde passo, há ali um filho preso, e ali um pai refém, e ali têm de suportar a condenação à morte de um rapaz de dezoito anos.» E estas ruas e casas ficam perto da minha própria casa.
Sei do grande sofrimento humano que se vai acumulando, sei das perseguições e da opressão... Sei de tudo isso e continuo a enfrentar cada pedaço de realidade que se me impõe. E num momento inesperado, abandonada a mim própria - encontro-me derrepente encostada ao peito nu da Vida e os braços dela são muito macios e envolvem-se, e nem sequer consigo descrever o bater do seu coração: tão fiel como se nunca mais findasse..."

Etty Hillesum, Diário
Edição: Assirio Alvim, tradução Maria Leonor Raven-Gomes

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Súmula, Herberto Helder




Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
E a morte passa de boca em boca
com a leve saliva,
com o terror que há sempre
no fundo informulado de uma vida.

Sei que os campos imaginam as suas
próprias rosas.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.

Por vezes tudo se ilumina.
Por vezes canta e sangra.
Eu digo que ninguém se perdoa no tempo.
Que a loucura tem espinhos como uma garganta.
Eu digo: roda ao longe o outono,
e o que é o outono?
As pálpebras batem contra o grande dia masculino
do pensamento.

Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.

- Era uma casa - como direi? - absoluta.

Eu jogo, eu juro.
Era uma casinfância.
Sei como era uma casa louca.
Eu metias as mãos na água: adormecia,
relembrava.
Os espelhos rachavam-se contra a nossa mocidade.

Apalpo agora o girar das brutais,
líricas rodas da vida.
Há no esquecimento, ou na lembrança
total das coisas,
uma rosa como uma alta cabeça,
um peixe como um movimento
rápido e severo.
Uma rosapeixe dentro da minha ideia
desvairada.
Há copos, garfos inebriados dentro de mim.
- Porque o amor das coisas no seu
tempo futuro
é terrivelmente profundo, é suave,
devastador.

As cadeiras ardiam nos lugares.
Minhas irmãs habitavam ao cimo do movimento
como seres pasmados.
Às vezes riam alto. Teciam-se
em seu escuro terrífico.
A menstruação sonhava podre dentro delas,
à boca da noite.
Cantava muito baixo.
Parecia fluir.
Rodear as mesas, as penumbras fulminadas.
Chovia nas noites terrestres.
Eu quero gritar paralém da loucura terrestre.
- Era húmido, destilado, inspirado.
Havia rigor. Oh, exemplo extremo.
Havia uma essência de oficina.
Uma matéria sensacional no segredo das fruteiras,
com as suas maçãs centrípetas
e as uvas pendidas sobre a maturidade.
Havia a magnólia quente de um gato.
Gato que entrava pelas mãos, ou magnólia
que saía da mão para o rosto
da mãe sombriamente pura.
Ah, mãe louca à volta, sentadamente
completa.
As mãos tocavam por cima do ardor
a carne como um pedaço extasiado.

Era uma casabsoluta - como
direi? - um
sentimento onde algumas pessoas morreriam.
Demência para sorrir elevadamente.
Ter amoras, folhas verdes, espinhos
com pequena treva por todos os cantos.
Nome no espírito como uma rosapeixe.

- Prefiro enlouquecer nos corredores arqueados
agora nas palavras.
Prefiro cantar nas varandas interiores.
Porque havia escadas e mulheres que paravam
minadas de inteligência.
O corpo sem rosáceas, a linguagem
para amar e ruminar.
O leite cantante.

Eu agora mergulho e ascendo como um copo.
Trago para cima essa imagem de água interna.
- Caneta do poema dissolvida no sentido
primacial do poema.
Ou o poema subindo pela caneta,
atravessando seu próprio impulso,
poema regressando.
Tudo se levanta como um cravo,
uma faca levantada.
Tudo morre o seu nome noutro nome.

Poema não saindo do poder da loucura.
Poema como base inconcreta de criação.
Ah, pensar com delicadeza,
imaginar com ferocidade.
Porque eu sou uma vida com furibunda
melancolia,
com furibunda concepção. Com
alguma ironia furibunda.

Sou uma devastação inteligente.
Com malmequeres fabulosos.
Ouro por cima.
A madrugada ou a noite triste tocadas
em trompete. Sou
alguma coisa audível, sensível.
Um movimento.
Cadeira congeminando-se na bacia,
feita o sentar-se.
Ou flores bebendo a jarra.
O silêncio estrutural das flores.
E a mesa por baixo.
A sonhar.

In «Ou o Poema Contínuo», Assírio & Alvim, 2001
fotografia Cláudia Ramos

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

João Penalva, CAM




«Bailarino, pintor, actor, escritor, tradutor, gráfico, curador, cineasta e fotógrafo, Penalva é um contador de histórias encartado, o familiar que correu mundo para partilhar aventuras tão deliciosas que só podem ser reais. O árbitro de um jogo nebuloso que nos arrasta para o universo da escrita e da imagem, transformado num lugar único de enumerações e descrições exaustivas. No fim de contas, "claro que é tudo ficção". Podem não ser reais, mas são genuínas.»

Maria Ramos Rosa Silva, in ionline.pt






quinta-feira, 25 de agosto de 2011

XXXVI. para transformar

_______ sempre que o fotógrafo vem, depois de tentar várias posições, tira uma fotografia. Revela depois a figura apreensível do plátano,              a mulher de braços abertos cujos ramos, principalmente dois, apontam setas para fora das margens; são perturbantes os rodeios do fotógrafo à volta do tronco, chove com placidez, e ele procura, para disparar o olhar da máquina, abrir uma brecha na secura. Por fim, a imagem torna-se fixa, e um desenho orientado para formas vulneráveis de mulher (híbrido de vegetal natureza) fica presente.

     A mulher poderia ter sido desenhada por um trovão iracundo que a esmagasse na rocha, ou banhasse na fonte; poderia ter sido levantada da fotografia pelas patas de um corvo que partiu depois dela; poderia ter sido transformada em líquido pelas poucas gotas de água que infundiu; poderia ter-se fechado em livro e arrumar-se, andando sobre as folhas, na biblioteca.              Mas o facto é que as folhas do cimo eram de uma maciez incontornável e, se o plátano viesse já a florir, o que não estava excluído no pátio dos milagres das imagens,

a mulher quereria ser retida,

retida, sem mais nada,

retida ­­________ pelo imparável disparar da máquina do fotógrafo.





AMIGO e AMIGA curso de silêncio de 2004
Maria Gabriela Llansol

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Ana, 1984

Jaime, 1974

António Reis, Programas Curriculares

[Mestre na ESTC]

1. A IMAGEM

1.1 Imagem: polissemia do termo. A imagem icónica. Campo e fora-de-campo: escolher é eliminar. A imagem rectangular não é universal. A tecnologia condiciona a imagem.

1.2 A representação da profundidade.
A imagem, um simulacro. Sistemas de representação não ocidentais. A perspectiva renascentista. A superfície plana como espaço autónomo.

1.3 O trabalho da luz. Fontes físicas – fontes místicas de luz. A organização do espaço como elemento narrativo.

1.4 O instantâneo: uma nova maneira de observar. A fotografia “directa”. O olho móvel e disponível.


Sumário da primeira unidade didáctica da cadeira de “Introdução ao Estudo da Imagem”, do 1.º ano do Curso de Cinema da Escola Superior de Teatro e Cinema (Lisboa). Esta primeira unidade era da responsabilidade de António Reis.
É provável que este esquema base, ainda que com maior desenvolvimento, se repetisse em outras cadeiras leccionadas por António Reis.

***

«Quanto aos programas [curriculares] do António… eram sempre três linhas… Tentei várias vezes convencê-lo a desenvolver os planos de estudo dele, mas não consegui. Dizia-me sempre “isto chega perfeitamente”. (…) A ideia de fazer programas era pôr em causa a sua própria liberdade de “inventor de ensino”, e, portanto, recusou-se sempre a fazer um programa pormenorizado, fugindo completamente às normas».

«magistério intempestivamente oral»

«Embora tenha sido há bastante tempo,
lembro-me de uma pequena folha A4 com quatro pontos
que materializavam o programa que ele organizava num esquema,
e depois era seguido».

Alberto Seixas Santos,
José Bogalheiro
e Pedro Costa
(respectivamente)



in Moutinho, Anabela; Lobo, Maria da Graça (org.)
- António Reis e Margarida Cordeiro - a poesia da terra, p. 55, 57 e 64,
Cineclube de Faro, Faro, 1997."


Fonte

terça-feira, 26 de julho de 2011

Património Imaterial do Douro, Alexandre Parafita


A procura da preservação de parte da identidade de um povo, a memória oral. Memória que em parte já se perdeu devido à extinção de determinados contextos associados às vivências rurais: "perderam-se muitas peças do romanceiro e do cancioneiro porque se extinguiram muitos trabalhos agrários como segadas, desfolhadas, malhadas, rogas, pastoreio; perderam-se muitos contos e lendas porque se extinguiram os fiandeiros e quase já os serões à lareira". No entanto, este livro não pretende ser uma solução de resgate definitiva mas sim um último recurso, pois "nas páginas de um livro os textos tendem a cristalizar", assim como alguns dos mais belos textos da literatura oral tradicional, como os dos cancioneiros, que só ganham realmente sentido na oralidade.

Uma edição cuidada, e deliciosa que se lê de fio a pavio.

Património Imaterial do Douro - Vol, 1Alexandre Parafita
Editor: Âncora
Ano de edição: 2010
Número de páginas: 224
Idioma: Português


segunda-feira, 27 de junho de 2011

Sem titulo, 2009 (ilustração)

Filipa César, "entrevista"





"Filipa César nasceu no Porto em 1975, vive e trabalha em Berlim. César é artista e cineasta e a sua obra reflecte as relações entre imagens e movimento e a respectiva recepção pelo espectador. Os seus filmes questionam os aspectos ficcionais do género documental e abordam aspectos políticos implícitos na produção de imagens em movimento, situando-se na ténue linha que separa o cinema narrativo, a crónica documental e o cinema experimental. As instalações de César sugerem cenários para uma produção concreta de imagens, nas quais o espectador é envolvido como componente performativa, constituída pela presença de preocupações sociopolíticas. A imagem emerge da tensão entre memória real e memória cinematográfica."

domingo, 26 de junho de 2011

Vista de um Jardim


Pintura mural da Villa de Lívia em Primaporta, c. 20 a.C. 
Arte Romana, Período Imperial
Museu Delle Terme, Roma, Itália

sábado, 25 de junho de 2011

Mundo Pequeno, Manoel de Barros

I
O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

II
Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas
de Corumbá.
Me disse que as coisas que não existem são mais
bonitas.

IV
Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. "Sonora voz de uma concha",
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: "Aromas de tomilhos dementam
cigarras." Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em Iíngua-pássaro: "Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer".
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
"Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos." Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.

VI
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.

VI
Toda vez que encontro uma parede
ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou de mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
não tem um bicho:
Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.



Mais no livro que veio este mês para as estantes das livrarias:
Poesia Completa, Manoel de Barros pela Editorial Caminho

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Seguir o traço, Teresa Gonçalves Lobo



O Centro Cultural de Cascais apresenta até ao dia 26 de Junho, Seguindo o traço da artista Teresa Gonçalves Lobo.

" A disciplina secreta do desenho"


São cerca de 40 desenhos realizados entre 2005 e 2011.

Fundação D. Luís I
Av. Rei Humberto II de Itália
2750-641 Cascais

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Pelas Sombras


...E aí vão as águas na urgência após a retenção, abertas as comportas, numa corrida sobressaltada, pelos caneiros, arrastando as folhas que se desentopem para lhe dar passagem. É um ritual quinzenal de Lurdes Castro: dar de beber ao seu jardim, no Caniço, na Ilha da Madeira. A artista das sombras que permaneceu na sombra durante anos é agora revelada no seu espaço, na sua quietude, no seu silêncio, na sua obscuridade pelas câmaras da realizadora Catarina Mourão. A ideia de filmar Lurdes Castro não surgiu de um impulso. Foi antes um processo moroso, de longa data, que envolveu anos, quase doze, de maturação, muitas conversas e encontros com a artista. Com ela aprendeu a desacelerar, "porque é as escuras e no silêncio que se trabalha", diz Lurdes Castro. Como os bolbos de jacinto que vão criando raízes em frascos guardados no escuro dos armários e debaixo do lava-louças. "Às vezes ponho-me a pensar como deve ser por debaixo da terra, as raízes todas, umas com as outras, aquele mundo às escuras", comenta ela... e sorri. Catarina Mourão não queria de todo fazer um documentário nos moldes convencionais e pedagógigos, com entrevistas a críticos de arte, etc... Queria, através das sombras, da obra da artística captar uma dimensão metafísica e abstracta. "Afinal, o grande desafio o cinema é tornar visível o invisível". Também em filmes anteriores, como a Dama de Chandor (1998), interessava-lhe o micro-cosmos, e cavar mais fundo, "ir para baixo da terra". "No fundo, este é um filme sobre uma mulher de 80 anos numa casa". Tal como os teatros de sombras a que Lurdes se dedicava, e a que Catarina um dia assistiu no CAM, aos 14 anos, - gestos lentos e delicados do quotidiano, tão efémeros, ilusórios e fugidios que fizeram Lurdes Castro perder o sentido da "arte para pendurar na parede". A sua pintura agora é o seu jardim, 12 mil metros quadrados de tela que nunca estará completo. Catarina torna-se uma espécie de cúmplice nessa forma de fazer, quando a acompanha nos pequenos gestos, e a apanha a estender a roupa lentamente, a escovar os dentes em contra-luz, a pentear o cabelo ao ar livre, a fazer um arranjo de florinhas num copo de água, a desfolhar os seus 34 volumes onde arquiva, ao longo de anos, tudo o que se relaciona com sombras, em sentido lato, desde vultos, contornos, mapas, o homem que se pulverizou em Hiroshima, mas a marca do seu corpo ficou estampada na parede... E quando deixa o tempo passar, e nos deixa a contemplar os musgos, as folhagens, a neblima, ao som de Schubert, a subir a montanha e deixar a paisagem em contornos esfumados. A sombra é isso: "Tem tudo o que tem o objecto mas o mínimo possível para ser reconhecido".



Fonte: visão.pt

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Manuel Rodrigues, A(s) cultura(s) da arte, Porta 33 (audio)


Está disponível no site da Porta 33, no formato audio, o workshop dado por Manuel Rodrigues em 2010.
São 5 aulas que viajam pelos sistemas de cultura, avançando até à cultura critica, passam por todo um processo que é importante de se perceber para chegar à questão do trabalho de si e à obra de arte, tocando em referências fundamentais tais como: Sócrates e Platão.

A(s) cultura(s) da arte , Manuel Rodrigues