segunda-feira, 27 de junho de 2011

Sem titulo, 2009 (ilustração)

Filipa César, "entrevista"





"Filipa César nasceu no Porto em 1975, vive e trabalha em Berlim. César é artista e cineasta e a sua obra reflecte as relações entre imagens e movimento e a respectiva recepção pelo espectador. Os seus filmes questionam os aspectos ficcionais do género documental e abordam aspectos políticos implícitos na produção de imagens em movimento, situando-se na ténue linha que separa o cinema narrativo, a crónica documental e o cinema experimental. As instalações de César sugerem cenários para uma produção concreta de imagens, nas quais o espectador é envolvido como componente performativa, constituída pela presença de preocupações sociopolíticas. A imagem emerge da tensão entre memória real e memória cinematográfica."

domingo, 26 de junho de 2011

Vista de um Jardim


Pintura mural da Villa de Lívia em Primaporta, c. 20 a.C. 
Arte Romana, Período Imperial
Museu Delle Terme, Roma, Itália

sábado, 25 de junho de 2011

Mundo Pequeno, Manoel de Barros

I
O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.

II
Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas
de Corumbá.
Me disse que as coisas que não existem são mais
bonitas.

IV
Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. "Sonora voz de uma concha",
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: "Aromas de tomilhos dementam
cigarras." Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em Iíngua-pássaro: "Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer".
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
"Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos." Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.

VI
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.

VI
Toda vez que encontro uma parede
ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou de mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
não tem um bicho:
Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.



Mais no livro que veio este mês para as estantes das livrarias:
Poesia Completa, Manoel de Barros pela Editorial Caminho

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Seguir o traço, Teresa Gonçalves Lobo



O Centro Cultural de Cascais apresenta até ao dia 26 de Junho, Seguindo o traço da artista Teresa Gonçalves Lobo.

" A disciplina secreta do desenho"


São cerca de 40 desenhos realizados entre 2005 e 2011.

Fundação D. Luís I
Av. Rei Humberto II de Itália
2750-641 Cascais

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Pelas Sombras


...E aí vão as águas na urgência após a retenção, abertas as comportas, numa corrida sobressaltada, pelos caneiros, arrastando as folhas que se desentopem para lhe dar passagem. É um ritual quinzenal de Lurdes Castro: dar de beber ao seu jardim, no Caniço, na Ilha da Madeira. A artista das sombras que permaneceu na sombra durante anos é agora revelada no seu espaço, na sua quietude, no seu silêncio, na sua obscuridade pelas câmaras da realizadora Catarina Mourão. A ideia de filmar Lurdes Castro não surgiu de um impulso. Foi antes um processo moroso, de longa data, que envolveu anos, quase doze, de maturação, muitas conversas e encontros com a artista. Com ela aprendeu a desacelerar, "porque é as escuras e no silêncio que se trabalha", diz Lurdes Castro. Como os bolbos de jacinto que vão criando raízes em frascos guardados no escuro dos armários e debaixo do lava-louças. "Às vezes ponho-me a pensar como deve ser por debaixo da terra, as raízes todas, umas com as outras, aquele mundo às escuras", comenta ela... e sorri. Catarina Mourão não queria de todo fazer um documentário nos moldes convencionais e pedagógigos, com entrevistas a críticos de arte, etc... Queria, através das sombras, da obra da artística captar uma dimensão metafísica e abstracta. "Afinal, o grande desafio o cinema é tornar visível o invisível". Também em filmes anteriores, como a Dama de Chandor (1998), interessava-lhe o micro-cosmos, e cavar mais fundo, "ir para baixo da terra". "No fundo, este é um filme sobre uma mulher de 80 anos numa casa". Tal como os teatros de sombras a que Lurdes se dedicava, e a que Catarina um dia assistiu no CAM, aos 14 anos, - gestos lentos e delicados do quotidiano, tão efémeros, ilusórios e fugidios que fizeram Lurdes Castro perder o sentido da "arte para pendurar na parede". A sua pintura agora é o seu jardim, 12 mil metros quadrados de tela que nunca estará completo. Catarina torna-se uma espécie de cúmplice nessa forma de fazer, quando a acompanha nos pequenos gestos, e a apanha a estender a roupa lentamente, a escovar os dentes em contra-luz, a pentear o cabelo ao ar livre, a fazer um arranjo de florinhas num copo de água, a desfolhar os seus 34 volumes onde arquiva, ao longo de anos, tudo o que se relaciona com sombras, em sentido lato, desde vultos, contornos, mapas, o homem que se pulverizou em Hiroshima, mas a marca do seu corpo ficou estampada na parede... E quando deixa o tempo passar, e nos deixa a contemplar os musgos, as folhagens, a neblima, ao som de Schubert, a subir a montanha e deixar a paisagem em contornos esfumados. A sombra é isso: "Tem tudo o que tem o objecto mas o mínimo possível para ser reconhecido".



Fonte: visão.pt