quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O Narrador

 
"O tédio é o pássaro de sonho que choca os ovos da experiência. O simples sussurrar da folhagem afugenta-o. Os seus ninhos - as atividades intimamente ligadas ao tédio - já desapareceram das cidades e estão também em vias de extinção no campo. Assim se perde o dom de ouvir, assim desaparecem as comunidades de ouvintes. Narrar histórias é sempre a arte de as voltar a contar e essa arte perder-se-á se não se conservarem as histórias. Perde-se porque já ninguém tece ou fia enquanto escuta. Quanto mais o ouvinte se esquece de si próprio, tanto mais profundamente se grava nele aquilo que ouve. Quando o ritmo de trabalho o prende, as histórias que ouve tocam-no de tal modo, que ele próprio adquire o dom de as narrar. Assim surgiu a rede de embalar em que tem repousado o dom de narrar. Presa há milhares de anos ao círculo das mais antigas formas de ofícios, está hoje a desfazer-se por todas as pontas."


Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política de Walter Benjaminm, edição da Relógio D' Água