domingo, 24 de janeiro de 2010

Lourdes Castro

É fascinante perdermo-nos por entre mundos próprios, sentir que cada obra produzida por um artista, seja ele de que área for é única, como que um transcender de si mesmo numa constante procura dando ao mundo novas leituras, descobertas, ou seja enriquecendo-nos um pouco mais. Resolvi escolher o trabalho de Lourdes Castro, alguém que tem um fascínio pela questão das sombras, algo que provavelmente já nasceu muito cedo, e que de uma forma ou de outra invadiu as nossas infâncias, basta pensarmos por exemplo na história de Peter Pan escrita por James Barrie, em que Peter chora desconsolado porque não consegue colar a sua sombra ao seu corpo e Wendy muito solidária e desenvolta acorre cozendo-a a um dos seus pés, ou então recordarmo-nos dos teatros de sombras a que todos nós já brincámos entre sombras de pássaros a voar, lobos matreiros ou coelhos, são apenas alguns dos mais simples exemplos dos nossos tradicionais teatros de sombras, no entanto, para Lourdes Castro o momento consciente em que se apercebeu do real potencial deste tema surge quando está a executar impressão em serigrafia, colocando objectos sobre seda pré-sensibilizada e aí eis que surgem «verdadeiras sombras projectadas» cuja simplicidade da forma e potencial poético daqueles desenhos a fascinam de imediato iniciando em 1965 um processo de recolha de textos, imagens e reflexões pessoais relacionados com a sombra, o Álbum de família, composto por vários volumes. Da vasta obra de Lourdes Castro seleccionei algumas imagens do Grand Herbier D'Ombres e de Sombras à volta de um centro, heliografias e desenhos, mas quero ainda referir trabalhos importantes para perceber o seu intenso percurso como Objectos pintados de Alumínio, em que a artista ao banhar estes objectos está exactamente a produzir uma espécie de "sombra real" num acto que se aproxima da planificação, ou ainda as sombras de dois corpos, bordados sobre o lençol, em que se assume apenas a silhueta em direcção a um acto de dissecação da sombra libertando-a da "matéria" que a preenche, peças que podemos ver no Museu do Chiado, não podendo deixar de referir O Teatro de Sombras que explorou juntamente com Manuel Zimbro transformando o seu próprio corpo em sombra e matéria de ficção.


Grand Herbier D'Ombres
Foi feito na Ilha da Madeira em 1972, com as flores do seu jardim cujas sombras são fixadas através da luz do sol directamente sobre o papel heliográfico.

"Mas sobretudo gosto de plantas, sempre vivi com elas, cuidei delas e vi-as crescer." Lourdes Castro 1973







Sombras à volta de um centro

«Pouso a jarra com as flores
a base da jarra é o centro
a luz vem de cima
as sombras das flores projectam-se à volta
envolvidas pelo espaço do papel.»                             Lourdes Castro

Sombras à volta de um centro (Liláses II) 50cmx66cm - Lápis de Cera - Paris, 1980
Sombras à volta de um centro (Túlipas II) 66cmx50cm - Lápis de cera - Paris, 1980

Sombras à volta de um centro (Salsa), 61cmx39cm - Tinta da china e recorte - Paris, 1980

De entre as publicações que tenho tido acesso sobre a obra de Lourdes tenho que sugerir este livro, Lourdes Castro sombras à volta de um centro da Assírio Alvim com textos belíssimos de Manuel Zimbro onde no fim existe a imagem de uma das mais fantásticas peças que já vi, «Montanha de Flores» 1988-2003...



Em Março, o Museu Serralves irá dar-nos uma imperdível exposição antológica de Lourdes Castro e Manuel Zimbro, companheiros e colaboradores na vida e no trabalho ao longo de trinta décadas, onde de entre outros trabalhos de Manuel Zimbro poderemos encontrar a «História Secreta da Aviação» e espero também encontrar os desenhos de sementes que vêm de um lado para o outro.

1 comentário:

  1. pelo teu post reparo que conheço mesmo pouco do trabalho dela, e parece tão convicta nas imagens que mostra das sombras, a tal questão do belo assim e das flores, enfim, em março rumo a serralves ver a exposição..

    ResponderEliminar