quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A rapariga de Amesterdão


Por estes dias retomei o Diário da Etty, uma judia que aos 27 anos começa a escrever em pequenos cadernos quadriculados. Conta-nos da sua paixão pelos livros, pela literatura russa e a língua eslava, o medo de não fazer obra, e o amor por dois homens. Escrevia durante a 2ªGuerra Mundial e durante 2 anos partilha o seu despertar espiritual, as suas dúvidas, a sua intimidade, os medos e o retrato que os seus sentidos fazem do que assiste. Pelo meio são chás partilhados, as lutas com Spier e o seu intenso mergulho sobre si mesma. Etty leva consigo para o campo de concentração três livros, a Bíblia; o livro das Horas e Cartas a um jovem poeta, ambos de Rilke.


"Foi novamente como se a Vida, com todos os seus segredos, estivesse próxima de mim, como se eu a pudesse tocar... E ali sentia-me imensamente segura e protegida. E pensei: «Como isto é estranho. É guerra. Há campos de concentração. Pequenas crueldades amontoam-se por cima de pequenas crueldades. Quando caminho pelas ruas, sei que, em muitas das casas por onde passo, há ali um filho preso, e ali um pai refém, e ali têm de suportar a condenação à morte de um rapaz de dezoito anos.» E estas ruas e casas ficam perto da minha própria casa.
Sei do grande sofrimento humano que se vai acumulando, sei das perseguições e da opressão... Sei de tudo isso e continuo a enfrentar cada pedaço de realidade que se me impõe. E num momento inesperado, abandonada a mim própria - encontro-me derrepente encostada ao peito nu da Vida e os braços dela são muito macios e envolvem-se, e nem sequer consigo descrever o bater do seu coração: tão fiel como se nunca mais findasse..."

Etty Hillesum, Diário
Edição: Assirio Alvim, tradução Maria Leonor Raven-Gomes

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